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1970 O serviço militar obrigatório

Haviam passado cerca de 12 anos e estávamos então em 1969. A situação nas colónias portuguesas de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, tinha-se deteriorado, em consequência das políticas anticolonialistas que iam alastrando por todo o Mundo. Milhares de portugueses tentavam fugir ao serviço militar, porque sabiam qual seria o seu futuro imediato: partir para África e, no meio do sertão, enfrentar os movimentos independentistas, fomentados por americanos e russos, principalmente. Um destino ao qual todos desejavam escapar, fugindo do país, muitas vezes, sem um destino certo e seguro. 

Eu não fui capaz de fugir, mas também nunca senti um verdadeiro apelo nesse sentido. Tentei encontrar as melhores soluções para me livrar do mato e da mais que provável especialidade que tocava à maioria dos mobilizados: atirador. Partir para o mato e rezar para que tudo corresse pelo melhor. 

Aqui e ali, informei-me sobre as diversas possibilidades: oferecer-me como especialista para a Força Aérea era uma boa possibilidade, mas teria de cumprir pelo menos quatro anos de serviço. Fuzileiro, comando ou marinha, estavam fora de questão, já que não tinha qualquer vocação para armas. Depois de muito pensar, decidi ir para a incorporação geral. Não declarei habilitações e assim, fui para o exército. Acabada a recruta e depois de muito falar com um bom amigo que tinha nascido em Angola e que era o comandante do meu pelotão, decidi oferecer-me como voluntário para o serviço geral da Força Aérea.

Fui para a base aérea de Tancos, onde tirei a especialidade de amanuense. As aulas de datilografia tinham duas horas de duração, duas vezes por semana. Na verdade, nessa altura, já eu sabia escrever bem à máquina, havia uns bons anos. Era bastante saturante, ter de copiar um texto e ir escrevendo numa folha de papel A4. No fim da primeira aula, já o instrutor percebera que eu possuía boas capacidades. Para melhor matar o tempo, resolvi começar a escrever pequenas histórias de aventuras. 

Os meus colegas de curso, rapidamente perceberam que eu me atarefava noutras coisas, que não a cópia de textos, sendo que, o instrutor, aceitava de bom grado este meu desvio, uma vez que, em todo o caso, estava a praticar, mas com textos feitos por minha iniciativa.

E foi aqui que reiniciei o meu apetite pela escrita. Escrevi a primeira história, que dei a ler aos meus amigos mais chegados. Surpreendidos, disseram: - Muito bom. Por onde é que copiaste? Expliquei que não tinha copiado e que tinha sido uma história criada por mim. Desconfiados, disseram então: - Na segunda hora és capaz de escrever outra? - Claro que sim, respondi. Um pouco depois, reparei que estava a ser observado. Eles queriam ter a certeza que eu não estava a copiar. Ao sair da sala de aula, pediram-me a história. Leram e no fim, disseram que havia de escrever mais. Passados uns dias, as histórias já andavam de mão em mão. Depois, começaram a surgir pedidos. Uma história de amor. Uma história de guerra ou uma policial. Confesso que me sentia muito bem, porque via a satisfação no rosto dos meus colegas. Apesar de tudo, havia horas mortas e era preciso passar os dias da melhor forma possível, porque o tempo, demorava a passar. Por fim, já o próprio instrutor se aproximava para confirmar o que eu fazia e perguntava se podia ler.

Depois da especialidade tirada, fui colocado na base aérea de Sintra, onde pouco tempo permaneci. Colocado na Escola de Estudos Superiores da Força Aérea, fui abordado por um oficial superior que me colocou mansamente uma mão sobre o ombro e perguntou se queria ficar ali até ao fim do serviço militar. Apanhado de surpresa, não sabia o que responder. Parei de escrever e por momentos, pensei na resposta que havia de dar. Com uma enorme velocidade, passavam pela minha cabeça mil pensamentos e Sintra, ficava longe do Porto, obrigando a uma viagem muito complicada, pelo menos de quinze em quinze dias. Sentia necessidade de ver a família. Finalmente, respondi: - Se possível, gostaria de ficar em Paços de Ferreira ou na base aérea de S. Jacinto, perto de Aveiro.

A mão que estava pousada no meu ombro, levantou-se abruptamente e o oficial, numa voz grossa de comando, determinou: - Então, eu dou-lhe a oportunidade de se livrar do ultramar e você diz que quer ir para Paços de Ferreira. Pois não vai ficar aqui, nem em Paços de Ferreira e embarca no próximo avião. Silenciosamente como tinha entrado o oficial saiu, furibundo, dizendo qualquer coisa que eu não percebi. No dia seguinte, recebi ordens para me apresentar na secretaria do pessoal, onde recebi a notícia: tem oito dias de férias e depois, apresente-se aqui, para embarcar para Angola.

O meu coração bateu mais forte. Angola? Como será? Dois anos sem ver a família..., mas pelo menos, poderei tirar daí o sentido. Sei que durante dois anos será ali que irei viver e não terei a pressão de ver a família em cima de mim. Por outro lado, fiquei aliviado. Podia ter sido Moçambique ou a Guiné, onde a situação militar não era melhor. Um pouco mais animado, preparei a mochila para regressar a casa.

Dez dias depois, estava no aeródromo base número um, em Figo Maduro, onde os motores do DC6, abafavam todos os outros ruídos. Pouco depois, levantou com destino a Angola, passando pela Guiné-Bissau e São Tomé. Catorze horas depois, aterramos na Base Aérea Nº 9 em Luanda e um calor intenso, misturado com os cheiros próprios de África, invadia o interior da cabine.

Depois de várias peripécias, foi na BA9 que passei os dois anos de comissão, dos quais nunca me arrependi. Pouco tempo depois, o tempo já custava a passar. À noite, acabei algumas disciplinas que me faltavam e recomecei a escrever, principalmente aos fins de semana. Folhas A4 entravam e saíam da máquina de escrever. Era uma espécie de frenesim. Os papeis, depois de escritos, começaram a circular pelos colegas mais próximos e foi sempre assim, até ao fim da comissão, que terminou em 1973.

Nesta altura, milhares de jovens portugueses, maldisseram dos seus destinos, desterrados no meio do mato, bombardeados e atacados a todo o momento. Fui bafejado pela sorte e achei Angola um grande e promissor país.

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